Criar um jogo no Brasil nos anos 2000 significava trabalhar quase no escuro. Sem acesso fácil à informação, a equipe por trás de Outlive precisou de engenhosidade para competir com títulos internacionais de ponta.
Com criatividade e esforço, construíram uma engine própria do zero. Mais de duas décadas depois, os mesmos criadores lideram a volta do jogo em uma nova era, agora com recursos modernos e diálogo próximo com os jogadores.
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Desafios técnicos e criativos nos anos 2000
Na virada do milênio, fazer um jogo de estratégia em tempo real no Brasil significava atravessar um campo minado de limitações. Segundo Rodrigo Dal’Asta, um dos criadores de Outlive, a internet da época não oferecia as possibilidades atuais. Sem YouTube ou fóruns como Stack Overflow, restava observar concorrentes como Command & Conquer e tentar “decifrar os truques” usados em suas mecânicas e sistemas.
Para contornar os obstáculos, a equipe decidiu desenvolver sua própria engine — uma iniciativa rara e ousada para o cenário independente brasileiro daquele período. A missão exigia conhecimento amplo sobre programação gráfica, lógica de unidades, inteligência artificial e áudio, num ambiente onde praticamente tudo precisava ser construído na unha.
Rafael Dolzan, também integrante do time original, lembra que a parte técnica era apenas um pedaço da equação. Levar o jogo ao mercado era igualmente complicado. A distribuição física, por meio de publicadoras e lojas, significava custos logísticos altos e negociações limitadas com canais de venda. Ainda assim, Outlive chegou às prateleiras e marcou época na memória de uma geração.
Outlive25: um retorno com propósito
Agora, com o relançamento de Outlive rebatizado para Outlive25, os mesmos criadores querem mais do que nostalgia. A proposta não é apenas remodelar um clássico com gráficos modernos, mas atualizá-lo com funcionalidades que dialogam com o cenário contemporâneo. Entre as novidades estão o modo multiplayer com integração ao Steam, um sistema de ranqueamento competitivo, além de uma interface reimaginada para facilitar o acesso e engajamento de novos jogadores.
Uma diferença fundamental neste novo ciclo é a facilidade de distribuição. Como aponta Rafael, em contraste com os anos 2000, bastam alguns cliques para que o público tenha acesso ao jogo. Plataformas digitais eliminaram intermediários e, principalmente, ampliaram o alcance para além das barreiras físicas do Brasil. Isso permite que Outlive25 seja uma oportunidade real de apresentar o legado da Continuum a jogadores de todo o mundo.
Outro diferencial da nova fase é o foco no feedback da comunidade. Assim como na época da demo original de Outlive, os desenvolvedores querem ouvir diretamente os jogadores. Para isso, planejam testes abertos e constante interação com a base de fãs, algo considerado essencial para consolidar ainda mais o vínculo com a audiência.
Influências clássicas e identidade brasileira
Outlive foi, desde o início, uma obra que buscava equilibrar referências internacionais com soluções próprias. Dune 2, Warcraft, StarCraft e Command & Conquer estão entre as inspirações mais citadas pela equipe. No entanto, Rodrigo destaca que havia insatisfação com certos aspectos desses títulos. Um exemplo clássico eram as unidades desorientadas, que não respondiam bem aos comandos. Esse tipo de detalhe foi tratado com atenção no jogo brasileiro.
A versão 2025 mantém este compromisso com qualidade mecânica, mas promove ajustes indispensáveis. O comportamento de unidades, por exemplo, passou por uma reengenharia para oferecer decisões mais inteligentes e combate fluido. Além disso, os visuais receberam uma atualização em alta definição, preservando o estilo retrô enquanto atendem às exigências gráficas atuais.
Ao mesmo tempo, a brasilidade do projeto se mantém viva. O time original está de volta, mas também há talentos de uma nova geração colaborando com a Continuum. Isso cria uma mistura interessante entre experiência e inovação, resultando em um produto que respeita o passado sem deixar de olhar para o futuro.
A evolução do mercado de jogos no Brasil
Se nos anos 2000 criar um jogo era quase um ato de resistência, hoje o Brasil vive outro momento no setor. Com dezenas de faculdades oferecendo cursos específicos para desenvolvimento de games e uma rica paisagem de estúdios independentes, o cenário é mais fértil. Rodrigo aponta que isso se reflete diretamente na qualidade dos profissionais e dos jogos produzidos atualmente.
A volta da Continuum também representa a consolidação de uma trajetória nacional. Empresas que iniciaram o caminho dois ou três ciclos atrás agora estão resgatando suas raízes diante de um público mais maduro e exigente. Outlive25 surge, portanto, não apenas como um produto de entretenimento, mas como um marco da história dos jogos brasileiros.
Além de contribuir tecnologicamente para o setor, o projeto reafirma valores importantes como criatividade, persistência e identidade cultural. O jogo se posiciona entre os maiores exemplos de como a indústria nacional pode crescer a partir de projetos sólidos e bem conduzidos — mesmo com recursos limitados.
Perspectivas para o futuro
Com a experiência de quem abriu caminho em uma época inóspita, os desenvolvedores de Outlive sabem que o sucesso depende de uma combinação entre paixão e competência técnica. Para eles, independentemente das ferramentas disponíveis, a base de um bom jogo permanece nas pessoas e na capacidade criativa da equipe envolvida.
Mesmo com o avanço das engines gráficas, bibliotecas prontas e canais de distribuição digital acessíveis, o desafio central continua sendo entregar uma experiência que envolva, desafie e entretenha. Outlive25 é, nesse sentido, mais do que uma homenagem ao passado: é um novo capítulo da longa jornada da Continuum e, por extensão, da indústria de jogos do Brasil.
Se seguir a mesma dedicação do original, o projeto tem tudo para novamente marcar uma geração — desta vez, conectada, global e ansiosa por narrativas que unam nostalgia, inovação e autenticidade.