Organizações de esports vêm explorando diversas frentes para expandir sua relevância. No entanto, há quem veja riscos nesse movimento, sobretudo para marcas consolidadas que desejam se manter fiéis ao seu núcleo competitivo.
A Team Liquid é uma das organizações que optou por um caminho mais cauteloso. Para a vice-presidente de marketing e conteúdo, Josie Brown, a prioridade ainda é manter o foco nos esportes eletrônicos de forma coerente ao propósito da empresa.
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Comprometimento com a comunidade multigeracional
De acordo com Brown, a manutenção do foco nos esports parte de um direcionamento estratégico claro. A Team Liquid se ancora em uma missão centrada em construir uma comunidade multigeracionalcom base nos jogos, e isso se reflete em como a marca conduz suas ações e contratações em diferentes países.
Essa lógica se aplica ao Brasil, onde a companhia atua com forte presença em jogos como Rainbow Six Siegee Valorant. Por aqui, o engajamento com os fãs é intenso e direto. Brown destacou que o público brasileiro se mostra extremamente envolvido emocionalmente — tanto para apoiar quanto para cobrar melhores resultados e condutas mais alinhadas com suas expectativas.
Essa relação com a torcida é cultivada com a presença de uma equipe nativa e altamente conectada com o cenário local, algo que Brown aponta como essencial para interpretar corretamente o comportamento dos fãs. Cada cultura, segundo ela, exige uma abordagem única, e isso influencia diretamente na linguagem, conteúdo e interação adotados.
Os riscos da diversificação fora do competitivo
Apesar do crescimento de organizações em áreas como entretenimento, moda, ou eventos fora do circuito profissional, Brown acredita que parte dos times pode estar se distanciando de sua razão de existir. Para ela, iniciativas paralelas podem ofuscar a criação de conteúdos relevantes e profundas conexões com os fãs, se não forem bem equilibradas.
Ainda que compreenda o desejo de algumas marcas em diversificar suas frentes de atuação, ela adverte sobre a possibilidade de “distração”. Isso porque, na opinião da executiva, a consistência do conteúdo competitivo é o que efetivamente fideliza comunidades. Projetos que fogem muito desse escopo precisam ser dosados com cuidado para não descaracterizar o significado central da marca esportiva.
Plataforma importa, mas o conteúdo ainda é soberano
A relação entre times de esports e as redes sociais também foi tema da fala de Brown. Questionada sobre a importância do X (ex-Twitter) como canal de comunicação com os fãs, a VP afirmou que, embora essa presença ainda seja relevante, não se trata de uma plataforma indispensável.
Segundo ela, o essencial é estar onde o público está e onde o consumo de vídeo e discussões profundas acontecem de forma dimensionável. Em sua visão:
- Redditpode ser usado para conversas robustas e debates duradouros.
- TikTok e Instagramoferecem consumo ágil e visualmente atraente.
- X/Twitterainda é um ponto de contato com parte da base, mas não exclusivo.
Essa flexibilidade estratégica revela uma organização dinâmica, que considera o comportamento social do fã como principal guia para definir suas frentes de conteúdo, sem se aprisionar a plataformas específicas.
A visão global e os aprendizados regionais
Com 28 times ativos e um faturamento de mais de US$ 54 milhões em premiaçõesdesde 2016, a Team Liquid se posiciona entre as gigantes globais do setor. No entanto, essa dimensão exige conhecimentos culturais que ultrapassam o campo competitivo.
Brown comentou sobre as nuances culturais no engajamento de públicos ao redor do mundo. Enquanto os brasileiros são efusivos e frequentes na crítica e no apoio, torcidas na Alemanha ou na China apresentam posturas contrastantes — muitas vezes silenciosas, contidas e ritualísticas.
Para lidar com essas diferenças, a Team Liquid mantém profissionais locais e alinhados às práticas do país. Isso garante que o conteúdo e as campanhas estejam sintonizados com os gostos e valores de cada região, fortalecendo o vínculo com as diferentes bases de fãs.
Caminhos sustentáveis para o futuro dos esports
Diante da instabilidade do modelo de negócios do setor, a fala da VP da Team Liquid associa-se a uma reflexão mais ampla sobre o futuro dos esports, que já tem sido levantada por especialistas. Em vez de seguir apenas pelas trilhas tradicionais dos grandes campeonatos, há times buscando se redefinir por meio de narrativas próprias, o que pode ser positivo — se houver equilíbrio e planejamento estratégico.
O exemplo da FURIA, citada por Brown, mostra que há formas de explorar fronteiras do entretenimento preservando identidades competitivas. Contudo, a Team Liquid aposta em priorizar seu comprometimento com a comunidade gamer e seu ecossistema de torcedores apaixonados, uma escolha que tem garantido solidez à organização ao longo dos anos.
Essa abordagem pragmática sugere que, mesmo com tantas possibilidades de expansão, o sucesso no cenário dos esportes eletrônicos ainda depende de não perder a essência de vista.