Desde antes do lançamento de Assassin’s Creed em 2007, a Ubisoft prometia uma experiência inédita: a de viver na pele de um assassino metódico e letal, operando nas sombras de contextos históricos meticulosamente recriados. A expectativa era de um simulador tático de assassinato, onde planejamento e discrição eram as armas principais.
No entanto, o que chegou às lojas foi um jogo que, embora inovador, diluiu sua proposta original em uma estrutura repetitiva e combates exageradamente acessíveis. A cada novo título, a série expandiu em direções diversas, mas se distanciou de sua essência inicial.
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A fantasia do assassino detalhista
O conceito inicial de Assassin’s Creed era o de um jogo quase calcado na lógica de Hitman, mas ambientado em ambientes históricos vivos e hostis. A promessa era de infiltrações precisas, rotinas cronometradas e execuções cirúrgicas. O jogador deveria ser um fantasma entre os nobres, um vulto que preparava por dias uma ação de segundos.
Essa ideia foi aparentemente deixada de lado. Ao invés disso, os assassinatos se tornaram eventos mais scriptados, onde bastava repetir algumas tarefas opcionais, conhecer minimamente o alvo e então executar a missão de forma relativamente direta. Muitas vezes, bastava se aproximar correndo, finalizar o alvo e fugir ou eliminar dezenas de guardas quase sem esforço.
A crise de identidade da franquia
A Ubisoft, ao invés de refinar a fundação que havia estabelecido, decidiu seguir um caminho de expansão sistemática. Assassin’s Creed deixou de ser um jogo de assassinato furtivo e passou a incorporar mecânicas de RPG, elementos de construção de base, gestão econômica e até exploração naval.
Esses acréscimos, embora tenham rendido experiências divertidas como em Assassin’s Creed IV: Black Flag, transformaram a franquia em um amálgama de gêneros. Os títulos mais recentes, como Origins, Odyssey e Valhalla, abraçam o modelo de mundo aberto com progressão numérica e combate em tempo real, aproximando-se mais de The Witcher 3 do que do plano original.
Tentativas de resgatar a proposta original
O mais próximo que a série chegou da promessa inicial foi com Assassin’s Creed: Unity. Lançado em 2014, o jogo introduziu camadas um pouco mais elaboradas de planejamento nos assassinatos e impôs riscos reais no combate, exigindo mais cautela do jogador. No entanto, seus inúmeros problemas técnicos no lançamento chamaram mais atenção do que suas virtudes, ofuscando o que poderia ter sido uma guinada de retorno às origens.
Mesmo em títulos como Mirage ou Syndicate, que pontualmente resgataram pequenas características dos primeiros jogos, nunca houve uma retomada concreta da essência proposta na geração PlayStation 3/Xbox 360.
O que Assassin's Creed poderia ter sido
Se tivesse seguido o curso original, Assassin’s Creed poderia hoje ocupar um espaço único no mercado: o de um jogo de assassinato tático em mapas históricos inspirados em vidas reais e rotinas sociais estruturadas. Personagens controlados por IA poderiam seguir agendas diárias complexas, tornando o ato de matar uma figura pública um verdadeiro quebra-cabeças de observação, estratégia e improviso.
Essa visão, inevitavelmente, exigiria um foco menor em combate e um maior investimento na construção de sistemas inteligentes. O resultado seria uma experiência singular, onde cada missão carregaria o peso de sua preparação — algo que agradaria fãs em busca de imersão e desafio longe do espetáculo de ação tradicional.
Um espaço ainda em aberto
A Ubisoft dificilmente voltará a esse ideal original. A série encontrou sucesso como uma aventura de ação e rpg de mundo aberto, lucrativa e acessível a um público amplo. No entanto, a lacuna por esse tipo de jogo persiste. Apenas estúdios independentes ou projetos muito autorais, talvez inspirados por Immersive Sims e experiências como Hitman, parecem interessados em preencher esse vazio.
Em última análise, Assassin’s Creed 1 nunca foi o jogo que nos foi prometido. Ele foi apenas uma sombra do que poderia ter sido — uma promessa poderosa jamais cumprida, ainda sussurrando no imaginário de seus melhores trailers.