A nova campanha publicitária do Xbox assinada por David Fincher toca em temas fortes de crítica social e alienação moderna, mas o faz de maneira controversa e com certo ar datado. A estética e o tom remetem diretamente ao final dos anos 90 e início dos 2000, período marcado por anúncios experimentais e alegorias sobre a resistência ao sistema.
Por trás da mensagem visual poderosa, o comercial sugere que escapar das pressões do capitalismo seria possível por meio do consumo — justamente de produtos da própria Microsoft, o que tem gerado críticas sobre a contradição narrativa.
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Contextualização visual e temática do anúncio
Dirigido por David Fincher em colaboração com Romain Chassaing, o comercial intitulado “Wake Up”, produzido para promover o ecossistema Xbox e a TV OLED da Samsung, apresenta um mundo habitado por ratos — uma metáfora visual do “trabalho mecânico e sem propósito” vivido por muitos na realidade urbana. Em meio a esse cotidiano distópico, alguns personagens abandonam sua forma de rato e se transformam em humanos ao interagir com jogos eletrônicos.
Esteticamente, o comercial carrega influências visuais de obras como “Brazil”, de Terry Gilliam, além de ecoar o curta “Happiness”, de Steve Cutts, ambos centrados na crítica às estruturas repetitivas e alienantes da sociedade. A ideia central parece simples: o jogador escapa da monotonia capitalista ao acessar o entretenimento digital.
Análise da proposta: crítica ou ironia?
Embora tente fazer uma crítica ao sistema de opressão, o comercial acabou sendo recebido de maneira ambígua. Enquanto o mote sugere uma ruptura com as estruturas tradicionais de trabalho e consumo, a proposta em si promove justamente o ato capitalista de comprar — neste caso, jogos do Xbox. O resultado é uma peça publicitária que, aos olhos de muitos, se contradiz:
- A música e a linguagem visual remetem diretamente à estética das campanhas da PlayStation no fim do século passado.
- No comercial, os "momentos de humanidade" surgem através de produtos: consoles, celulares e PCs — todos vinculados ao Xbox.
- Apenas um personagem está usando diretamente um console Xbox — os demais acessam jogos da plataforma por meio de dispositivos de terceiros, como celulares, PCs e handhelds compatíveis, como o ROG Ally.
Ecos de campanhas do passado
A linguagem e tom de “Wake Up” remetem à campanha “Do Not Underestimate the Power of PlayStation” de 1999, especialmente ao vídeo “Double Life”, que exaltava o impacto dos jogos eletrônicos na vida cotidiana. Em 2002, a própria Microsoft também experimentou esse tipo de narrativa com “Life is Short”, um comercial marcante na história da publicidade gamer.
A diferença principal é que, naquela época, as campanhas tentavam radicalizar o imaginário popular, colocando os jogos como válvula de escape emocional ou existencial, sem trazer o mesmo peso contraditório de uma empresa gigante oferecendo “liberdade” por meio do consumo.
Críticas ao posicionamento da Microsoft
As polêmicas envolvendo a Microsoft nos bastidores tornam o comercial ainda mais controverso. Recentemente, a empresa demitiu funcionários que protestaram contra o fornecimento de tecnologia de inteligência artificial para usos militares por Israel — apontando um distanciamento entre o discurso publicitário e as práticas institucionais. Essa discrepância levanta o questionamento:
Até que ponto uma corporação pode se apresentar como alternativa cultural ou antissistema se, em essência, opera dentro das mesmas estruturas que critica?
Além disso, há incongruência entre a imagem da marca e a realidade de seus produtos. Microsoft Teams, por exemplo, se consolidou como símbolo de reuniões corporativas, produtividade e rotina de trabalho remoto — o oposto do ideal “antissistema” que o comercial quer sugerir.
Considerações finais
O comercial de David Fincher tenta reviver uma estética nostálgica e “rebelde”, entretanto, o impacto é diluído pela ironia da própria mensagem. Ao vender a ideia de libertação por meio da aquisição de produtos da gigante Microsoft, a peça parece mais uma peça de marketing autorreferencial do que uma provocação genuína à lógica do sistema.
O resultado é um vídeo visualmente interessante, com alto valor de produção, mas que falha em entregar uma crítica coerente, tornando difícil ignorar a distância entre forma e conteúdo.